Palavra e Silêncio

PEIXE, João (2018) – Palavra e Silêncio

Já todos ouvimos o provérbio “A palavra é de prata, o silêncio é de ouro”. Poderemos então afirmar que, tal como temos dois ouvidos e uma boca, devemos ouvir mais do que falar, certo?

No entanto, parece que o provérbio distorce a realidade. É verdade que, só ouvindo os outros, podemos obter informação crítica, estudar e transformar essa informação em conhecimento.

A palavra devia estar equiparada ao silêncio. Apenas temos de a utilizar de modo útil. Se não, vejamos as duas perspectivas que me fazem acreditar que a palavra e o silêncio têm a mesma importância.

Primeiro, gostaria de vos contar a história dos 3 filtros de Sócrates ou, visto que não existem certezas de ter sido o filósofo a proferir tais palavras, o bom uso da razão.

“Certo dia chegou um homem perto de Sócrates e disse-lhe:

– Tenho algo grave a contar-te sobre um amigo teu.
– Antes de me contares seja o que for já passaste o que me vais dizer pelos três filtros?- perguntou o sábio.
– Três filtros?- questionou-se o primeiro.
– Sim meu caro. O primeiro será o filtro da verdade. Tens a certeza absoluta que aquilo que me vais dizer é verdade?
– Bom não posso dizer com toda a certeza já que apenas ouvi de outros…
– Muito bem. Então nesse caso terás passado aquilo que ouviste pelo segundo filtro ou melhor dizendo o filtro da bondade. Mesmo que não seja verdade aquilo que pensas saber, será algo de bom aquilo que tens para dizer.
– Não, de modo algum. É algo de mau na realidade…
– Sendo assim só nos resta o terceiro filtro, o filtro da utilidade. Será útil para mim ou para qualquer outro que oiça aquilo que tens para dizer?
– Vendo bem, não creio que tenha alguma utilidade…
– Nesse caso, sendo que aquilo que tens para contar não é verdadeiro, não é bom e tão pouco útil esqueçamos essa situação já que ninguém beneficiará dela.”

Com esta história, poderemos dizer que, realmente, “a palavra é de prata, o silêncio de ouro”, certo? Afinal de contas, todos os dias jorramos palavras que não passam em nenhum dos três filtros em vez de nos remetermos ao silêncio. Aí, a palavra não é prata, nem bronze, nem latão. É lixo. Fácil, não é? Assunto arrumado…ou talvez não.

Bom e o outro lado? O outro lado que não tem voz neste mundo?

O silêncio é ouro quando evitamos dizer algo que não beneficia ninguém. Contudo, o silêncio é pior que lixo quando nos calamos e com isso deixamos sofrer todos aqueles que não se podem defender, não se podem expressar, não se podem libertar das amarras das circunstâncias da vida.

“In the end, we will remember not the words of our enemies, but the silence of our friends.”

LUTHER KING JR., Martin – (1968) – Discurso em que reflectia sobre o Movimento dos Direitos Civis

Cada vez que viramos a cara para o lado, cada vez que nos distanciamos do problema, cada vez que ignoramos a dura realidade mergulhando no conforto pessoal para não sentir aquela dor no estômago do sofrimento alheio, estamos a pactuar com a voz dos que oprimem ou negligenciam o outro. Esta dor no estômago quando encaramos o sofrimento do outro chama-se empatia. É ela que nos faz avançar como sociedade, como indivíduos, que nos faz ser bondosos uns com os outros.

Estarão a palavra e o silêncio equiparados?

Quando não soubermos, remetemo-nos ao silêncio e escutemos.

Quando tivermos algo a acrescentar e que passe nos filtros necessários, usemos a palavra para ajudar os outros.

Bom, reescrevendo a frase ouvida a um professor, “a opinião é como o nariz, cada um tem o seu”. Este é o meu “nariz”. Qual é o teu em relação ao tema?